Por que empresas e governos ainda usam milhões de máquinas de fax

Pense numa tecnologia moderna e sofisticada. Provavelmente o barulho desagradável de um fax não foi a primeira coisa que lhe veio à mente.

Fac-símiles ou telecópias – sim, esse é o nome original – são anteriores à era digital, e as máquinas que permitem enviá-los têm mais de 170 anos.

O equipamento é considerado obsoleto por muitos, mas várias empresas e governos ao redor do mundo relutam em abandonar o fax, que a partir da década de 1980 tornou-se indispensável em qualquer escritório.

Uma pesquisa global de 2017 descobriu que 82% das 200 grandes empresas ouvidas (companhias com mais de 500 empregados) viram seus funcionários receberem o mesmo número de faxes ou até mais do que em 2016.

“Em muitos casos, o fax é mais seguro, fácil de usar e adequado aos hábitos de trabalho atuais do que enviar uma mensagem pelo computador”, escreveu o professor de história da tecnologia da Universidade do Texas Jonathan Coopersmith, em sua coluna no jornal The Conversation. Ele também é autor do livro The Rise and Fall of the Fax Machine (“A ascensão e queda do aparelho de fax”, ainda sem publicação no Brasil).

Em países como o Japão e a Alemanha, assim como em várias instituições dos Estados Unidos – incluindo o FBI -, enviar um fax é tão comum quanto mandar um email. Até a empresa japonesa de tecnologia Sony envia faxes.

Uma das razões que explicam a persistência do fax é a capacidade de se adaptar às tecnologias digitais. Alguns servidores, por exemplo, permitem que você envie documentos eletrônicos. É o chamado “eFax” ou fax eletrônico.

Além disso, existem serviços na nuvem que tratam documentos enviados por fax como arquivos no formato PDF. Esses sistemas permitem o envio tanto por meio de linhas telefônicas quanto pela internet, de acordo com o receptor.

‘Conservadorismo digital’
A empresa britânica de consultoria tecnológica Cooperative Systems considera que outro dos motivos pelos quais o fax prevalece é o “conservadorismo digital”.

“Apesar do que sabemos sobre a capacidade da tecnologia de melhorar a operabilidade e aumentar a produtividade, muitas empresas não se atrevem a mudar”, diz o site da empresa.

A Cooperative Systems atribui o comportamento à ideia de que a tecnologia substituirá os seres humanos e à crença de que “a internet não é segura”.

Coopersmith chama essa atitude de “inércia do conforto”.

“Um fator pessoal que faz com que o fax siga vigente é a relutância para mudar. As pequenas empresas que sentem que o fax atende às suas necessidades têm poucos motivos para gastar dinheiro para testar uma nova tecnologia de troca de documentos”, disse.

Estima-se que existam mais de 45 milhões de máquinas de fax ativas em todo o mundo.

No hospital
Setores como o médico, o jurídico, as forças policiais e alguns governos usam fax regularmente.

“Algumas empresas e organizações preferem enviar documentos confidenciais, como contratos e correspondência, por fax”, diz Rydell.

Uma das razões por trás disso, além da resistência à mudança, é o medo da falta de segurança no mundo digital.

Os médicos usam os faxes tanto em situações rotineiras quanto nas de alto risco. De acordo com o site de notícias americano Vox, considera-se que, atualmente, cerca de 75% das comunicações no mundo médico nos Estados Unidos são feitas por fax.

Nos Estados Unidos, isso geralmente acontece porque uma certa regulação – a Lei de Transferência e Responsabilidade de Seguro Médico, conhecida por sua sigla em inglês, HIPAA – exige que os médicos protejam determinadas informações do paciente enviando os documentos por fax, em vez de usarem e-mail.

No Reino Unido, o sistema de saúde britânico, o NHS, também continua a usá-lo. Mas, em dezembro, a agência recebeu um ultimato para aposentar as máquinas até 2020. No ano passado, o secretário de Estado de Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, proibiu a compra de novos equipamentos.

Além disso, conforme relatado pela revista americana The Atlantic, uma startup chamada PatientBank, que permitia aos usuários receberem seus registros médicos digitalmente, teve que fechar as portas no ano passado porque era muito difícil acessar os faxes.

Paul Fletcher-Hill, fundador da empresa, disse ao jornal que uma das razões pelas quais os hospitais afirmam continuar dependendo do fax é a segurança. “Há uma percepção de que os sistemas digitais são mais fáceis de hackear”, diz.

Tal impressão é em parte verdadeira. Embora o sinal do fax possa ser detectado – o que é bem possível -, comprometer um sinal único é muito menos prejudicial do que afetar todo um sistema de dados digitais. Assim, mesmo que seja mais vulnerável em um nível individual, a máquina de fax hackeada não comprometerá conjuntos de dados como aconteceria com um computador.

Um fax para o FBI
No caso da aplicação da lei, muitos dos dados continuam sendo analógicos.

Há muito anos o FBI só admite pedidos relativos à Lei de Liberdade de Informação (FOIA, na sigla e inglês), por correio normal ou fax.

No entanto, muitos se perguntam se não é hora de mudar. O email permitiria que médicos recebessem o histórico de seus pacientes instantaneamente e com mais facilidade, e o FBI poderia responder mais rapidamente aos pedidos.

Mas não nos podemos esquecer do que Coopersmith descreve como “a mágica” de ver um documento ser transmitido instantaneamente para outra parte do mundo. Como estamos acostumados ao abstrato do universo digital, o tangível adquire uma atração especial e nos permite ter a informação, literalmente, em nossas mãos.

5 dados sobre o fax
– A primeira máquina a enviar “fac-símiles” foi inventada em 1842 pelo escocês Alexander Bain.

– A primeira versão da invenção funcionava escaneando uma mensagem escrita com uma tinta especial sobre uma superfície de metal.

– No início do século 20, aparelhos de fax eram usados ​​por organizações como jornais.

– Após as melhorias tecnológicas feitas pelas empresas japonesas, seu uso foi ampliado nas décadas de 1970 e 1980.

– O aparelho chegou a seu apogeu no final do século 20 e foi gradativamente sendo substituído por métodos mais modernos de comunicação.

bbc.com