Integrantes do PT vêm defendendo no partido e no governo medidas consideradas heterodoxas para forçar a queda do preço dos alimentos, entre elas a taxação transitória de exportações do agronegócio.
Na visão desse grupo, essa é a única medida com potencial de reduzir rapidamente e de forma mais duradoura o preço dos produtos, situação que virou uma das principais dores de cabeça do presidente Lula -ele tem cobrado ministros, promovido reuniões e dedicado esforços na busca de saídas.
Integrante do grupo ministerial que debate as propostas, o ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), que é do PT, não respondeu se o assunto já foi debatido internamente ou com Lula, mas afirmou que a proposta “não tem chance de prosperar”.
“O presidente Lula deixou claro que não vai tomar medidas heterodoxas”, afirmou.
Em 2022, quando exercia o mandato de deputado federal, Teixeira chegou a assinar ao lado de 21 colegas petistas projeto de lei estabelecendo a taxação da exportação de grãos e carnes em caso de necessidade. Ele afirmou que assinou a medida apenas para que ela tivesse tramitação.
“Este projeto de lei visa corrigir uma contradição que afronta o interesse público no Brasil, a saber: a abusividade dos volumes de alimentos exportados pelo país num contexto de situações sistemáticas de volatilidade dos preços e insuficiência do abastecimento interno desses produtos”, diz a justificativa da proposta.
Por pressão da bancada ruralista, que é majoritária no Congresso, o PL-1586/2022 foi rejeitado em três comissões da Câmara e aguarda análise em uma quarta.
De acordo com a visão da ala petista que defende a medida, a taxação temporária das exportações forçaria o agronegócio a direcionar uma maior fatia da produção ao mercado interno, com impacto imediato sobre os preços.
Dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), por exemplo, mostram que arroz, feijão e trigo encolheram nos últimos 20 anos no cardápio da produção de grãos nacionais de 18% para 7% do total, enquanto soja e milho, que estão entre as commodities mais exportadas pelo Brasil, subiram de 76% para 89% do bolo total.
Representantes do mercado financeiro já alertaram integrantes da área econômica e auxiliares de Lula, em conversas reservadas, para o que eles veem como risco de o Brasil adotar a taxação das exportações como mecanismo regulatório para baratear os preços dos alimentos.
Nesse sentido, foi vista como positiva a sinalização do ministro da Casa Civil, Rui Costa, de que o governo poderá reduzir alíquotas das importações em determinados casos.
Uma autoridade da área econômica afirmou que a ideia tem caráter limitado, mas a classificou, na condição de anonimato, como uma “medida anti-Kirchner”. A referência é à decisão da então presidente da Argentina, que aumentou os impostos sobre as exportações de grãos, gerando uma crise com locautes ruralistas, bloqueios de estradas, desabastecimento e aumento da inflação.
Em nova direção, o atual presidente da Argentina, Javier Milei, anunciou no dia 23 uma redução temporária de impostos de exportação para o agronegócio.
O Brasil não tem tradição de taxar as exportações, mas volta e meia o assunto retorna ao debate.
Em 2023, a Fazenda anunciou imposto de 9,2% sobre as exportações de petróleo bruto por um prazo de quatro meses com objetivo de compensar a perda de arrecadação com a reoneração apenas parcial de tributos federais sobre gasolina e etanol.
Para o grupo do PT favorável à adoção da taxação, a provável reação contrária do agronegócio e do mercado financeiro seria um mal menor tendo em vista, em primeiro lugar, que esses dois segmentos já são majoritariamente refratários ao governo. Em segundo, que a alta nos preços dos alimentos tem um poder corrosivo muito mais preocupante para o governo.
Eles também defendem a volta robusta da política de estoques de alimentos pelo governo para conseguir minimizar eventuais oscilações nos preços.
As propostas aventadas pelo governo até agora -como a possível redução de alíquotas de importação de alimentos e juros menores no próximo Plano Safra- são consideradas inócuas por essa ala do partido.
Após a última reunião com Lula, o ministro Rui Costa descartou a adoção de medidas consideradas “heterodoxas”, citando em particular subsídios e tabelamentos.
Considerado um dos principais especialistas em inflação de alimentos, o economista Carlos Thadeu de Freitas Filho, da BCG Liquidez, reconhece que a taxação de exportações é a única medida que teria força para reduzir os preços no mercado interno, mas diz ser contra. Segundo ele, esse tipo de ação produz um estrago na cadeia de produção.
“A única medida capaz de gerar resultado de curto prazo seria taxar as exportações e gerar um excesso de oferta. Porém, isso seria um desastre”, disse.
Segundo ele, a medida faria com que muitos abandonassem a produção por não poder exportar ou por ser controlado. “É muito heterodoxo e duvido que o governo queira botar a mão nisso. Dá um alívio no curto prazo, mas gera uma inflação gigantesca no futuro.”
Freitas Filho diz ver risco de a proposta crescer porque outros países estão adotando medidas desse tipo, em um cenário mais acirrado de competição comercial com o novo governo de Donald Trump.
Entre os que tributam a exportações, ele cita Índia, Rússia, e Indonésia. “Os Estados Unidos tributam as importações para fomentar o mercado doméstico”, afirmou.
A inflação dos alimentos se tornou um ponto de desgaste para o governo Lula nos últimos meses. A primeira semana com foco nessa questão acabou marcada por ruídos com o mercado e também por críticas ao governo nas redes sociais, como na ocasião em que se discutiu a possibilidade de mudar as regras sobre data de validade dos alimentos.
Outro ruído ocorreu quando Rui Costa disse que o governo iria buscar um “conjunto de intervenções” para baratear o preço dos alimentos. Depois, o ministro trocou a palavra “intervenção” por “medidas” para, segundo ele, evitar ruídos de comunicação.
Portal Correio