Um biscoito à base de farinha de feijão-caupi é a nova alternativa da ciência para incrementar o mercado de produtos funcionais no Brasil. Além de não conter glúten, o que favorece os portadores da doença celíaca e pessoas com intolerância a essa proteína, o produto é feito a partir de uma variedade biofortificada desenvolvida pela Embrapa, a BRS Tumucumaque, que tem altos teores de ferro e zinco.
A novidade, desenvolvida em parceria entre a Embrapa Meio-Norte (PI) e o Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), de Campinas (SP), será apresentada ao público durante o VI Fórum Brasileiro do Feijão, de 15 a 17 de agosto de 2018, em Curitiba (PR). O evento reunirá pesquisadores, produtores e pessoas ligadas ao comércio e ao beneficiamento do produto.
“O biscoito, desenvolvido a princípio na versão doce, apresenta melhor valor nutricional em comparação às formulações tradicionais, principalmente por duplicar o teor proteico”, conta Jorge Hashimoto, pesquisador da Embrapa que coordenou o estudo.
Além de ter o dobro de proteínas em relação aos demais cereais usados na indústria de biscoitos, o feijão-caupi é altamente nutritivo, traz benefícios à saúde e é capaz de prevenir doenças metabólicas, como o diabetes, bem como as coronarianas e o câncer do cólon.
De acordo com Hashimoto, a importância nutricional dessa leguminosa impõe à pesquisa o desafio de aumentar os níveis de substituição das farinhas tradicionais. “Farinhas de diferentes origens têm características tecnológicas distintas que influenciam na qualidade do produto final”, detalha.
O biscoito de feijão-caupi atende o mercado de produtos isentos de glúten – que cresce alheio à crise econômica do País, formado principalmente por pessoas que sofrem de doença celíaca ou intolerância a essa proteína (veja quadro abaixo). Nos últimos anos, os alimentos saudáveis e funcionais têm ganhado cada vez mais espaço na mesa dos brasileiros. Mais do que sabor, hoje o setor alimentício tem a preocupação de oferecer produtos que possam contribuir com a saúde. No Brasil, essa tendência é ainda mais proeminente do que nos outros países. Enquanto o mercado de produtos funcionais mundial cresce cerca de 30% ao ano, aqui o aumento tem sido superior a 40%.
Boa notícia a quem não pode ingerir glúten
A doença celíaca é uma reação imunológica do intestino relacionada à intolerância ao glúten, que causa inflamação, podendo levar à desnutrição pela má absorção de nutrientes. Mas, além dos portadores diagnosticados com essa doença, cresce no Brasil e no mundo a quantidade de pessoas com intolerância ao glúten, que apesar do que a maior parte das pessoas pensa, não é um carboidrato, mas uma proteína. Esse aumento é acompanhado de perto pelo incremento do mercado de produtos funcionais no Brasil e no mundo.
Boa textura e coloração atraente
O pesquisador Jorge Hashimoto conta que, para ajustar a formulação do biscoito, foi usada uma ferramenta estatística de delineamento de misturas e regressão multivariada. “As características de interesse do produto são afetadas pela variação das proporções dos componentes”, explica. Parte desse trabalho foi executada pela pesquisadora Elizabeth Harumi Nabeshima, do ITAL. A pesquisa testou cinco formulações: 100% trigo, que ficou como testemunha; 50% com farinha de feijão-caupi e 50% de trigo; 33% de trigo e 67% de feijão; 16% de trigo e o restante de feijão; e, por último, 100% com farinha de feijão-caupi.
O resultado do estudo utilizando apenas a farinha de feijão-caupi, de acordo com Hashimoto, resultou em um biscoito menos duro que o elaborado com trigo. Ele ressalta que o produto apresenta uma cor mais atraente do que os biscoitos existentes no mercado devido à coloração da farinha de feijão-caupi. Além disso, o cientista afirma que o novo biscoito obteve boa aceitação sensorial.
“O grande diferencial é que o biscoito pode ser consumido por pessoas portadoras da doença celíaca e ainda apresenta aumento da qualidade nutricional, já que a maioria dos produtos alternativos para os celíacos é pobre em proteínas”, revela.
O trabalho começou em 2015, em Teresina, como um plano de ação do projeto “Feijão-caupi: transferindo tecnologias, produtos e processos para a sustentabilidade da cadeia produtiva no Brasil”.
Vem de longe a primeira tentativa de uso da farinha de feijão-caupi na elaboração de biscoitos. O trabalho pioneiro foi realizado nos anos de 1985 e 1986, no Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Ceará (UFC), pela professora Maria Alsenir Carvalho Rodrigues. O estudo, que terminou na dissertação de mestrado em tecnologia de alimentos da professora, buscou um biscoito com alto valor nutritivo, de simples fabricação e de custo baixo. Ela trabalhou com as misturas de farinhas de feijão-caupi e sorgo granífero.
Redução da anemia em crianças
A segunda tentativa de elaboração de biscoitos à base da leguminosa aconteceu na Universidade Federal do Piauí (UFPI). Em 2013, a nutricionista Liejy Agnes dos Santos Raposo Landim apresentou uma dissertação de mestrado em alimentos e nutrição, testando a substituição de 30% da farinha de trigo pela farinha de feijão-caupi, da cultivar BRS-Xiquexique, também desenvolvida pela Embrapa Meio-Norte. O estudo avaliou o impacto da ingestão desses biscoitos por estudantes pré-escolares para controle da anemia ferropriva.
A nutricionista trabalhou com 262 crianças, na faixa etária de dois a cinco anos, da rede pública municipal de Teresina. Antes de consumirem os biscoitos, a prevalência de anemia entre elas era de 11,5%. Após o consumo, o índice caiu para 4,2%. O resultado mostrou a eficiência dos nutrientes do feijão-caupi no combate à anemia.
Alimento funcional promissor
O biscoito chega ao mercado entusiasmando profissionais de saúde e de nutrição. A médica Jozelda Lemos Duarte, presidente da Sociedade de Gastroenterologia do Piauí, considera que produtos isentos de glúten e com potencial nutritivo são valiosos para esses pacientes. “Eles são muito importantes para a alimentação das pessoas com doença celíaca, pois o tratamento básico da doença começa com a retirada total do glúten da alimentação”, frisa a especialista.
Segundo a médica, que também é professora universitária e atende no Hospital Getúlio Vargas, o maior da rede pública do Piauí, até o uso de utensílios domésticos, como frigideira ou panela com restos de trigo no preparo de alimentos, pode gerar problema para um portador da doença. “Os primeiros sintomas da doença são específicos, como dores abdominais, gases e diarreias frequentes sempre após a alimentação, e deve-se buscar o diagnóstico quando há suspeita”, recomenda.
A doença celíaca, que não tem cura, atinge hoje cerca de dois milhões de pessoas no País. A cada ano surgem pelo menos 150 mil novos casos, segundo estimativas da Federação Nacional dos Portadores de Doença Celíaca no Brasil. De acordo com a gastroenterologista, essa doença pode aparecer em qualquer fase da vida, atingindo principalmente pessoas de cor branca.
Adriana Soares, nutricionista há 20 anos e gastrônoma há seis, vê o produto como mais uma alternativa alimentar às pessoas acometidas pela doença celíaca e com intolerância ao glúten. “Esse biscoito desenvolvido à base de feijão-caupi terá um grande impacto social”, acredita a especialista, que incentiva a elaboração de dietas que devolvam o bem-estar aos pacientes.
Ela destaca que o feijão-caupi contém inúmeros aminoácidos essenciais na síntese das proteínas, cujas concentrações atendem às necessidades nutricionais diárias de jovens e adultos. “Como o portador de doença celíaca deve se abster totalmente do glúten na sua alimentação, a chegada ao mercado de alternativas alimentares é muito importante para melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, enfatiza.
Base da alimentação nordestina
O novo biscoito agrega mais valor ao feijão-caupi, que já é um dos principais componentes da dieta alimentar nas regiões Nordeste e Norte do Brasil, especialmente na zona rural. Somente as cultivares de caupi geradas pela Embrapa Meio-Norte, em parceria com outras instituições do sistema cooperativo de pesquisa, ocupam 30% da área total cultivada no País: quase um milhão e meio de hectares, gerando renda e milhares de empregos diretos.
Leguminosa forte na economia
De origem africana, o feijão-caupi, também conhecido como feijão-de-corda, chegou ao Brasil pela Bahia, na segunda metade do século XVI. Hoje, o produto é a base da alimentação da Região Nordeste, principalmente no Semiárido. A espécie é plantada com destaque também no Centro-Oeste e vem ganhando força na Região Norte. Em 2017, segundo estimativa preliminar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o País produziu 3,2 milhões de toneladas de feijão comum e de caupi, em uma área plantada de 3,2 milhões de hectares.
As exportações brasileiras de feijão em 2017 também apresentam números robustos. Segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o País exportou quase 117 mil toneladas da leguminosa. A Índia se destacou: comprou 53,2 mil toneladas. O Egito ficou em segundo lugar com a importação de 16,2 mil toneladas do Brasil e o Paquistão comprou 6,3 mil toneladas.