Como o desequilíbrio no cérebro adolescente ajuda a explicar suicídios entre jovens

Quando o mês de setembro se aproxima, as autoridades japonesas começam a redobrar a atenção.

O início do ano escolar costuma ser um período de grande ansiedade no país, dono de um dos mais competitivos e rigorosos sistemas educacionais do mundo.

E 1º de setembro é conhecido como o “dia mais mortífero para um adolescente no Japão” – é historicamente a data em que o maior número de jovens de até 18 anos tiram suas próprias vidas.

Entre 1972 e 2013, mais de 18 mil jovens nessa faixa etária se mataram no Japão – por ano, em média 131 escolheram a data do reinício das aulas.

Apesar da redução observada nas taxas globais nos últimos anos, o suicídio é a segunda principal causa de mortes entre pessoas de 15 a 29 anos em todo o mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em alguns países, como o Japão, trata-se da principal causa de mortes nessa faixa etária.

No Brasil, o suicídio entre crianças de 10 a 14 anos cresceu mais de 65% entre 2000 e 2015, e o assunto voltou a causar extrema preocupação com casos de jovens de escolas paulistanas que tiraram as próprias vidas nos últimos meses.

Segundo especialistas, existe uma questão biológica importante a ser considerada nessa faixa etária: o desenvolvimento do cérebro adolescente.

Desequilíbrio

Neurologistas já observaram que o cérebro cresce de um modo desbalanceado. O hipocampo e a amígdala – as duas regiões cerebrais responsáveis pelos sentimentos e pelo armazenamento de emoções – amadurecem mais rapidamente que o córtex pré-frontal, responsável pela regulação emocional e de impulsos.

Cientistas dizem que essa disparidade perdura até os 25 anos de idade.

“Isso significa que (nesse período) há um risco aumentado para excessos emocionais acompanhado de pouco poder de discernimento”, explica Timothy Wilens, psiquiatra infantil no Massachusetts General Hospital (EUA) em artigo publicado no periódico Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry.

O desenvolvimento assimétrico do cérebro também faz com que adolescentes fiquem mais vulneráveis ao uso de drogas e mais suscetíveis a problemas de saúde mental, como depressão – e todos esses fatores se relacionam ao suicídio.

Para agravar o quadro, há pesquisas mostrando que a maioria das crianças consegue, a partir dos 8 anos, entender o que a morte autoinfligida significa.

Estudo da psicóloga americana Jean Twenge publicado no periódico Clinical Psychological Science explica que tem havido nos EUA um aumento nos casos de depressão, suicídio ou tentativas entre jovens de todas as classes sociais, raças e etnias, e em todas as regiões do país.

 

 

Uma das conclusões do estudo, publicado em novembro de 2017, é de que o excesso de tempo passado pelos jovens utilizando aparelhos eletrônicos acaba exacerbando o problema.

“Adolescentes que passam mais tempo em novas mídias (incluindo redes sociais e outras acessíveis por aparelhos eletrônicos, como smartphones) tinham mais propensão a relatar problemas de saúde mental, e adolescentes que passavam mais tempo em atividades distantes das telas (interação interpessoal, esportes, lição de casa, leitura ou atividades religiosas) tinham propensão menor”, diz Twenge no texto.

“(Mas) desde 2010, adolescentes têm passado mais tempo em atividades eletrônicas e menos tempo distante das telas, o que pode levar ao aumento da depressão e do suicídio.”

Para o brasileiro Neury Botega, especialista em saúde mental pela Unicamp, é importante lembrar que “a adolescência já é um período turbulento, mas atualmente os jovens sofrem grande pressão da família e da sociedade”.

“O cérebro adolescente não está preparado. Eles têm mais imediatismo e impulsos. O sistema de checagem e equilíbrio (das emoções) precisa ser construído como parte de um projeto cultural e social”, prossegue Botega.

Problema de grande alcance

A saúde mental juvenil é uma questão global.

Na Índia, estatísticas do governo apontam que houve 133 mil suicídios no país em 2015, sendo ao menos 40% deles de pessoas entre 10 e 30 anos. Segundo a OMS, mais de 800 mil pessoas tiram as próprias vidas anualmente, sendo 78% delas em países de renda média e baixa.

Alguns países de renda elevada também viveciam uma alta no número de casos, particularmente entre jovens.

Nos EUA, os suicídios de meninos e meninas de 15 a 19 anos cresceram continuamente entre 2007 e 2015 – no caso específico de meninas, ele dobrou.

No Reino Unido, uma média de quatro pessoas menores de 35 anos tiram a própria vida diariamente.

Pesquisas sobre o suicídio revelam diferentes causas por trás de números tão preocupantes.

Em países de alta renda, o elo entre suicídio e problemas de saúde mental é bastante documentado. Mas estresses como problemas financeiros, de relacionamento ou físicos, bem como experiências de preconceito e questões culturais podem desempenhar um papel importante nessa questão.

Na Coreia do Sul, por exemplo, o modelo educacional extremamente competitivo é apontado como uma das causas por trás do índice de suicídio – o mais alto entre os países desenvolvidos (32 a cada 100 mil habitantes) e três vezes maior do que a média global.

O suicídio é a maior causa de mortes entre sul-coreanos de 10 a 30 anos. Especificamente entre adolescentes de 15 a 19 anos, a maior taxa é registrada na Nova Zelândia: 15,6 casos a cada 100 mil habitantes.

Complexidade

Enfrentar o problema é uma missão complexa.

A Organização Mundial da Saúde orienta que a prevenção ao suicídio de jovens requer coordenação e colaboração entre múltiplos setores da sociedade, “já que não há uma abordagem única que possa impactar por si só a questão”.

Entre as medidas recomendadas há esforços indiretos, como políticas para reduzir o uso de álcool nessa faixa etária e intervenções estruturais em locais como pontes ou estações que possam virar locais de suicídio.

Ao mesmo tempo, o artigo de Twenge diz que é importante observar “o modo como adolescentes passam seu tempo” e estimular mais interações interpessoais do que virtuais nessa fase.

“É importante lembrar que a arquitetura neural humana evoluiu sob condições de contato cara a cara, próximas, em geral contínuas (incluindo contato não visual, como toque e olfato)”, diz a especialista. “A interação feita pessoalmente oferece mais proximidade emocional do que a eletrônica. (…) Algumas pesquisas sugerem que a comunicação eletrônica, em especial a de redes sociais, pode até aumentar sentimentos de solidão.”

 

R7