Esgoto ainda é ameaça a praias urbanas de João Pessoa

João Pessoa é conhecida pelo sol constante, brisa agradável e pela bela orla que, do Litoral Norte ao Sul, encanta quem visita a cidade. Essas águas, entretanto, continuam ameaçadas, graças sobretudo à poluição gerada por ligações irregulares que despejam esgoto de residências e centros comerciais nas praias. Em Manaíra, uma das mais afetadas, 9 mil imóveis estão passando por vistorias, uma forma encontrada pelo Ministério Público Federal (MPF), em parceria com Prefeitura de João Pessoa (PMJP) e Governo do Estado, para sanar o histórico problema de degradação ambiental na região.

Uma breve análise histórica demonstra que os pontos de áreas impróprias ao banho vem crescendo na grande João Pessoa. Segundo relatório da Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), solicitado pelo CORREIO, na primeira semana de análise de 2016, eram cinco trechos considerados inadequados ao banho: Bessa I, Seixas, Penha, Arraial, em João Pessoa; e Acaú/Pontinha, em Pitimbu. Já no relatório nº1 de 2019, foram oito trechos considerados impróprios ao banho: Manaíra, Cabo Branco, Seixas, Penha, Jacarapé, Arraial, Sol, em João Pessoa; e Maceió, em Pitimbu.

O procurador da República Edílio Magalhães explica que há duas causas principais para a poluição do mar, ambas de difícil resolução. “A gente trabalha com hipóteses, pois são coisas que ocorrem no subterrâneo. Há a hipótese relacionada aos moradores e também a hipótese relacionada ao sistema em si. Em Manaíra estamos fazendo esse levantamento há mais de um ano, porque la é onde tem todo tipo de problema, é a área mais crítica. Assim que a gente conseguir descobrir as causas e resolvê-las, a gente consegue resolver os problemas nas demais”, disse.

A maior problemática continua sendo as ligações irregulares da rede de esgoto e pluvial das residências e pontos comerciais na região da orla. Alguns por falta de conhecimento, outros por pura irresponsabilidade. “A situação mais grave é quando as águas da chuva e de rebaixamento do lençol freático dos imóveis, que deveriam ser ligados à rede pluvial, são ligados na rede de esgoto. Isso é muito comum, uma coisa quase cultural de João Pessoa”, explicou.

Nestes casos, os problemas cedo ou tarde aparecem. “Quando isso acontece, ela causa transtornos, porque a rede de esgotos é dimensionada para receber pouca água. Um tubo de esgoto na rede tem aproximadamente 15 centímetros, é muito pequeno. Enquanto o de galeria pluvial tem 1 metro de altura. Quando acontece essa ligação inadequada, o volume de água entra na rede de esgoto, que não está preparado para recebê-la, e ele estoura. Ao estourar, cai no pavimento, de lá vai para a galeria pluvial e entra ao mar”, disse o procurador do MPF.

Há também o caminho contrário: quando a água de esgoto desses imóveis é diretamente ligada à rede pluvial e de rebaixamento do lençol freático. “Essa causa é mais direta. As águas de esgoto ligadas na rede pluvial, que vai direto para o mar. Há quem faça por má-fé, mas tem muita gente que desconhece, por isso que, no TAC (Termo de Ajustamento de Conduta nº 7/2019) que fizemos com a Cagepa, ficou acertado que ela vai sinalizar onde fica a rede de esgoto em todas as casas que visitar nesta operação, assim o dono do imóvel vais aber onde fica essa rede e não vai ter dúvidas na hora de consertar o erro”, disse o procurador.

O TAC que criou a Operação Praia Limpa, por enquanto restrita ao bairro de Manaíra, foi firmado entre o MPF, a Prefeitura de João Pessoa e Governo do Estado. Técnicos da Cagepa visitam os imóveis e lá verificam a situação da ligação de água. Encontradas irregularidades, o proprietário é notificado. Em 30 dias, ele recebe a visita de um agente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semam), que vai atestar se as mudanças foram acatadas. Não sendo, o dono do imóvel recebe uma multa, que vai de R$ 13 mil, no caso de residências, até R$ 380 mil, no caso de pontos comerciais.

O trabalho parece estar surtindo efeito. Desde que foi lançada a Operação Praia Limpa, o número de trechos impróprios para banho foi drasticamente reduzido, chegando a um. No relatório semanal de Balneabilideade da Sudema emitido nessa sexta-feira (11), apenas dois trechos estão impróprios para banho em todo o estado: o ponto em frente ao N° 315 da Avenida João Maurício, no bairro de Manaíra, em João Pessoa, e em frente à desembocadura da Lagoa, na praia de Ponta dos Coqueiros, em Pitimbu.

Habite-se só em redes legais

Outro acordo firmado no TAC do MPF foi junto à Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan). Desde 1º de Agosto, todo imóvel da cidade só recebe o ‘Habite-se’ – documento que certifica que determinado local está preparado para uso – quando comprovar que suas águas estão sendo depositadas nas redes corretas.

“A partir de agora o documento só sai quando a pessoa apresentar o projeto mostrando que a água de telhado, jardim e rebaixamento de lençol freático está indo para rede pluvial e a água de esgoto esteja indo para a rede de esgotos. Ele apresenta o projeto, o fiscal vai lá e constata se está funcionando. Isso vai evitar problemas no futuro, então teremos resultados muito positivos daqui para frente”, explicou o procurador Edílio Magalhães.

O procurador do MPF destacou ainda que trabalhar em conjunto, inclusive com a população, é essencial para preservar a riqueza ambiental da orla paraibana. “Estamos todos envolvidos. Cagepa, Sudema, Semam e Seinfra, É uma força-tarefa. Se não juntar ações, não funciona porque todos têm uma função específica. E organizar a conexão da rede pluvial e de esgoto é o primeiro passo. Esgoto tem que estar ligado ao esgoto. E água da chuva à rede pluvial. Se não for assim, está tudo errado e não tem sistema que suporte”, disse.

Sistemas falhos

O alerta do procurador não é por menos. Do ponto de vista do sistema, explicou, é comum que ocorra o extravasamento do esgoto, quando a tubulação fica cheia e a água poluída transborda para a rua.

“Sempre foi comum ali em Manaíra o extravasamento do esgoto pelo PV, aquela tampa redonda de aço que fica no meio da pista. Se você observar, principalmente no inverno, o esgoto transborda pela tampa redonda, corre pela sarjeta e entra na galeria pluvial, que colhe água da chuva. Ao entrar por essa galeria, o esgoto vai direto para o mar”, reforçou Edílio Magalhães.

Esse extravasamento é causado por um entupimento de determinado tubo, que acaba sobrecarregando os demais. Quando está tapado ou amassado, ele procura outros caminhos para sair, criando uma pressão na rede. Com o passar do tempo, esses canos também podem ir criando uma ‘crosta’ na sua superfície, provocando também o fechamento do tubo. Para resolver esse problema, a Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba (Cagepa), dentro do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) criada com o MPF, investiu em equipamentos.

“A Cagepa, dentro do nosso acordo, comprou um JetScan, uma espécie de ‘cateterismo’ que entra na tubulação, vai filmando por dentro e identifica onde está fechado ou estrangulado, conseguindo substituir o pedaço que está com problema. Isso já está acontecendo desde agosto do ano passado. A melhoria foi grande, quase não vemos mais cano estourado em Manaíra. Quando não tinha, não se sabia onde estava o problema. Agora tem como descobrir. Também compraram um ‘hidrovácuo’, um equipamento de sucção muito forte que suga e desentope o cano”, destacou o procurador Edílio Magalhães.

Apesar dos percalços, o procurador acredita que é possível tornar o mar de João Pessoa 100% limpo. “É muito trabalhoso, não é fácil, é quase como um Censo na cidade. Visitando de porta em porta. Mas é preciso que as pessoas ajudem, que cooperem. Se forem notificadas, corrijam o problema. Porque com isso ele está ajudando a cidade, mas também seu imóvel, que vai ficar mais valorizado. João Pessoa não sofre com um rio poluído que deságua no mar e polui a água, por exemplo. O que acontece é poluição dessas redes irregulares. E isso é mais fácil de consertar”, disse Edílio Magalhães.

Semam

Segundo informações da assessoria de imprensa, em 2015, a Secretaria de Meio Ambiente (Semam) de João Pessoa emitiu 276 autos de infração, sendo dois por descumprimento de condicionante, 214 por problemas no licenciamento, 11 por lançamento de águas servidas (águas de cozinha e lavanderia jogadas ao ar livre) e 49 por outras infrações, que incluem aí crimes como esgoto clandestino, poluição sonora, desmatamento, entre outros.

Em 2016 foram aplicados 197 autos de infração, sendo cinco por descumprimento de condicionante, 151 por problemas com as licenças ambientais, 23 por lançamento de águas servidas e 18 na categoria outros crimes ambientais.

A partir de 2017, a Semam separou a categoria ‘esgoto’ na relação dos autos de infração. Foram aplicados 237 autos, sendo 5 por descumprimento de condicionante, 200 por licenças ambientais irregulares, um por águas servidas, 18 por lançamento de esgoto e 13 por outras poluições.

Em 2018 foram registrados 124 autos de infração, sendo quatro por descumprimento de condicionante, nove por problemas nas licenças, dois pelo lançamento de águas servidas, 10 por lançamento de esgoto e 15 por outras poluições.

Este ano, até o mês de setembro, foram aplicados 152 autos de infração, sendo dois por descumprimento de condicionante, 124 por problemas nas licenças, 2 por lançamento de águas servidas, 11 por lançamento de esgoto e 13 por outras poluições.

Quadro: praias impróprias 1ª semana de janeiro

2016: Bessa I, Seixas, Penha, Arraial, em João Pessoa; e Acaú/Pontinha, em Pitimbu
2017: Manaíra, Penha, Jacarapé, Arraial, em João Pessoa; e Pitimbu, Maceió, Guarita, em Pitimbu.
2018: Bessa I, Manaíra, Cabo Branco, Penha, Arraial, em João Pessoa; Amor, no Conde; e Maceió, Acaú/Pontinha, em Pitimbu.
2019: Manaíra, Cabo Branco, Seixas, Penha, Jacarapé, Arraial, Sol, em João Pessoa; e Maceió, em Pitimbu.

Fonte: Sudema