O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), mais conhecido como Fundo Eleitoral, pode acabar. Isto porque projetos apresentados no Senado Federal (PL 555/2019 e PL 748/2019) querem alterar a Lei Eleitoral, extinguindo o fundo. Para as lideranças das siglas e especialistas, esta possibilidade levanta questionamentos, já que isso alteraria mais uma vez a forma como os candidatos financiam suas campanhas.
Doutor em Ciência Política pela USP, o professor José Henrique Artigas acredita que o financiamento público de campanha, resultado da última mini-reforma política, poderia ser benéfico, desde que existisse um controle maior do orçamento destinado aos partidos. Da forma como está hoje, explica o especialista, ao invés de tornar o processo eleitoral mais justo e transparente, criou novas possibilidades de corrupção.
“Quando o Fundo Eleitoral foi criado ele visava suprir a defasagem inaugurada com o fim do financiamento empresarial de campanha, no sentido de ampliar a margem de financiamento público de campanha e reduzir o abuso do poder econômico e a interveniência dos mais ricos no conjunto dos meios de financiamento. Entretanto, criamos um ‘frankstein’, porque ao mesmo tempo há financiamento público de campanha e privado. Aí que mora o perigo”, disse.
O especialista explica que, de um lado, o dinheiro repassado pelo Fundo Eleitoral aos líderes partidários não é bem controlado, ou seja, fica nas mãos das lideranças a definição do que fazer com esses valores. Por outro lado, com a impossibilidade de doações via CNPJ, se criou um teto de doação por CPF, o que fez com que várias pessoas se tornassem doadores ‘laranjas’, pessoas que emprestam seu CPF para realizar determinada doação.
“Na última eleição vimos um grande laranjal espalhado por todo país, por todos os partidos. Vimos, com dados do TSE, milhares de CPFs inscritos entre os doadores de campanha que doaram recursos acima da sua renda. Significa que se usou seu CPF como CPF de laranja. Pega uma pessoa e usa o CPF dela para distribuir recursos, sem que seja contabilizado a partir de um só doador. Isso só multiplicou o número de laranjas”, disse o pesquisador.
Problema também constatado com a destinação dos recursos do Fundo Eleitoral. “Maior parte dos países desenvolvidos utilizam um sistema público integral de financiamento de campanha. Nenhum tostão pode vir da iniciativa privada, seja por CPF ou CNPJ. O financiamento público evita, teoricamente, a corrupção. Mas aí teria que ter controle e acompanhamento sistemático para saber se o dinheiro do fundo eleitoral foi realmente repassado e utilizado pelos candidatos do partido, porque hoje não existe hoje um mecanismo de controle sobre isso. Existe o repasse e acabou. O partido faz do dinheiro o que quiser”, destacou José Henrique Artigas.
META É DERRUBAR FUNDO
Um dos projetos apresentados no Senado foi do senador Major Olímpio (PSL-SP). Na sua avaliação, os recursos públicos destinados ao financiamento de campanhas eleitorais deveriam ser revertidos em benefícios para a população.
“Enquanto nossa população carece de atendimentos básicos em hospitais, de segurança, de escolas que não possuem estrutura básica para a educação de nossas crianças, dentre outras necessidades basilares”, argumentou o senador em seu projeto.
O mesmo direcionamento adotou o senador Márcio Bittar (MDB-AC), destacando ainda que a redistribuição dos recursos, em geral, não são igualitários, uma vez que cada candidato recebe um montante escolhido pelo líder do partido.
“Não há nenhum tipo de regramento que estabeleça distribuição equânime entre os candidatos, logo, aqueles mais próximos dos dirigentes são privilegiados com maiores quantias. Essa distribuição desigual de recursos acaba por ferir, diretamente, a autonomia parlamentar dos candidatos e dos eleitos, pois qualquer discordância de ordem política pode ocasionar o esvaziamento das fontes de financiamento eleitoral”.
Bittar criticou, ainda, a obrigatoriedade de gasto de 30% do valor recebido em candidaturas femininas, que teria criado um “efeito colateral grave”: mulheres sendo usadas como laranjas para receber o dinheiro e destinar a outras candidaturas.
Partidos questionam. Presidente estadual do PSDB, o deputado federal Ruy Carneiro vê com bons olhos a justificativa usada pelos senadores que apresentaram as propostas, mas defende que é preciso elucidar como ficaria o futuro das campanhas eleitorais, uma vez que, retirando o Fundo Eleitoral, alteraria a dinâmica de financiamento das candidaturas.
“É uma tese que tem uma justificativa bastante lógica. Mas acabando esse modelo qual seria o modelo substituto? O fundo eleitoral é aquele que os candidatos recebem na eleição, é uma justificativa lúcida, mas tem que saber qual o formato seria adotado. Tem que mudar mas tem que se dar uma solução”, destacou.
Para Ruy Carneiro, há caminhos possíveis para além do Fundo Eleitoral, por mais complicado que seja se chegar a uma solução rápida.
“Sempre houve campanha sem Fundo Eleitoral. Possível é possível. Só existem (financiamentos) público, privado e pessoal. Privado eu acho muito ruim, porque você vai ampliando vínculos com empresas. Só se fosse apenas o pessoal e doações de pessoas físicas até um determinado valor. Não é fácil encontrar a fórmula nessa questão”, disse o deputado Ruy Carneiro ao analisar a realidade atual do processo eleitoral.
BARATEAMENTO DAS CAMPANHAS
Raniery Paulino, membro da Executiva Estadual do MDB, defende uma mudança nos financiamentos, sobretudo no que diz respeito ao barateamento das campanhas. Na avaliação do deputado estadual, as últimas mudanças eleitorais, ao invés de tornarem o processo mais limpo e menos custoso, criaram novas formas de corrupção.
“É possível (fazer campanha sem o Fundo Eleitoral), porque pode se adequar a isso, mas acho que a ideia de fato é baratear as campanhas. Essa mudança agora na legislação, nas ruas vimos que não barateou as campanhas. O que se viu inclusive é que houve estruturas pesadas. Isso vem de onde? Caixa 2 e outros instrumentos. Acho que deve se fazer um estudo aprofundado. É importante o barateamento das eleições e também uma reforma eleitoral especificamente sobre as coligações, que são absurdos”, disse.
A favor do Fundo. O presidente estadual do PT, Jackson Macêdo, defende o Fundo Eleitoral. Na sua avaliação, essa dinâmica de financiamento surge da luta pelo fim do financiamento privado, onde grandes empresas ‘apadrinhavam’ certas candidaturas, cobrando essa conta mais a frente, quando o candidato estivesse eleito.
“Na minha avaliação, o Fundo Eleitoral de campanha é a maior vitória na reforma política, junto com o fim das coligações proporcionais. Não faz sentido mais nenhum no país continuarmos com financiamento privado de campanha, das grandes empresas, e empreiteiras e indústrias, que financiam as campanhas eleitorais e lá na frente cobram a fatura. Isso favorece Caixa 2 e corrupção eleitoral”, disse.
Para o líder partidário, o Fundo Eleitoral, quando bem aplicado, é mais transparente. “O justo e correto, para acabar com essa mazela no país, é o financiamento público de campanha, porque ele facilita a fiscalização e democratiza a presença de candidatos com menos condições financeiras de disputar a eleição. Logicamente que os partidos precisam se adequar a esse novo sistema e distribuir os recursos de forma mais democrática, que garanta a participação de todos no processo eleitoral”, reforçou Jackson Macedo sobre o processo eleitoral brasileiro.
correiodaparaiba.com.br