Histórica 1ª imagem de buraco negro ganha cara mais nítida após pesquisa chefiada por brasileira

A 1ª imagem já feita de um buraco negro foi reconstruída por cientistas. Na foto, M87* aparece com uma região central maior e mais escura. (Foto: PRIMO/INSTITUTE FOR ADVANCED STUDY)

 

A primeira imagem já feita de um buraco negro na história da astronomia ganhou uma cara nova. Agora, aquela foto aparentemente “borrada” de M87*, divulgada em 2019, pode ser vista com mais definição e detalhes inéditos.

E tudo isso graças ao trabalho de uma astrofísica brasileira, Lia Medeiros, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados dos Estados Unidos.

Num estudo divulgado nesta quinta-feira (13), ela e outros cientistas membros do projeto de colaboração internacional Event Horizon Telescope – EHT (ou Telescópio do Horizonte de Eventos, em português) divulgaram o novo registro de Pōwehi, como também é chamado o objeto astronômico.

“Com a primeira imagem de M87* aprendemos muito sobre o buraco negro em si e sobre como o ele engole a matéria ao seu redor. Agora, com essa nova imagem mais nítida, vamos poder fazer novos testes da gravidade e aprender mais ainda sobre o que está acontecendo com a matéria ao redor do buraco negro”, explica Lia em entrevista ao g1.

“Como não podemos estudar os buracos negros de perto, os detalhes de uma foto desempenham um papel crucial na compreensão de seu comportamento”, detalha.

Na imagem, o buraco negro que está a cerca de 50 milhões de anos-luz da Terra aparece com uma região central maior e mais escura, cercado pelo gás brilhante e superaquecido em formato de “rosquinha” que paira ao seu redor – o M87*, de fato, é invisível aos nossos olhos, já que nem mesmo a luz consegue escapar de ser atraída por buracos negros.

Para realizar a façanha, os pesquisadores utilizaram dados de observações de 2017 do EHT e, com isso, montaram uma espécie de quebra-cabeça através de algoritmos sofisticados e o uso de inteligência artificial.

🌌🔭 Em resumo, a pesquisa funcionou assim:

Como não há um único instrumento atual produzido pelo homem capaz de capturar uma foto de um buraco negro, nem mesmo os nossos mais modernos telescópios, como o James Webb, os cientistas analisaram os dados do EHT para aperfeiçoar a imagem do Pōwehi;
Na época do registro, a rede reunia 7 radiotelescópios espalhados pelo mundo, operados em conjunto;
Combinar virtualmente a potência e os dados de cada um desses observatórios em um único instrumento nos dá uma impressionante capacidade de resolução. E é justamente isso que permite a formação das imagens dos buracos negros;
No entanto, como é inviável cobrir toda a superfície da Terra com telescópios, surgem lacunas nesses dados que atrapalham a formação das fotos. Por isso, a imagem de 2019 parece fora de foco, embora ela tenha uma resolução ridiculamente alta;
O que Lia e sua equipe fez foi então procurar as peças desse quebra-cabeça, treinando um programa de computador para analisar mais de 30 mil imagens simuladas de buracos negros, fornecendo uma representação altamente precisa das observações reais do EHT;
O programa então deu uma estimativa de alta fidelidade das estruturas ausentes na foto e assim os cientistas conseguiram gerar a nova imagem ainda mais nítida.
Para se ter uma ideia, com sua potência atual, o EHT conseguiria fazer a imagem de uma maçã na superfície da Lua.

E o estudo de Lia, que teve a brasileira como principal autora, mostrou não apenas ser possível aumentar ainda mais esse poder de imageamento, como que a imagem “repaginada” de M87* conseguiu ser consistente com os dados do EHT e de modelos teóricos do tipo.

“A inteligência artificial ajuda porque podemos preencher os dados que estão faltando usando o que o algoritmo aprendeu das simulações usadas para o treinamento. Outro modo de dizer isso é que o algoritmo aprende como diferentes regiões na imagem se relacionam umas com as outras, e usa essa correlação para preencher os dados que estão faltando”, diz Lia.

Lia Medeiros participou do projeto que revelou a primeira imagem de um buraco negro e da remodelação de M87*. — Foto: Steward Observatory/Drew Bourland

Mais trabalho pela frente

Apelidado pelo acrônimo em inglês PRIMO, todo o algoritmo por trás desse processo, ou seja, a sequência de instruções seguidas pelo computador, foi publicado em um estudo de fevereiro na revista científica The Astrophysical Journal.

As novas técnicas de aprendizado de máquina que desenvolvemos fornecem uma oportunidade de ouro para o nosso trabalho coletivo de entender a física por trás dos buracos negros”.

— Dimitrios Psaltis, professor de Astronomia e Física na Universidade do Arizona, também envolvido no projeto.

Com base na nova imagem, os cientistas agora esperam determinar com ainda mais detalhe a massa de M87*, bem como os parâmetros físicos que determinam sua aparência atual.

A título de comparação, Sagitário A*, o buraco negro do centro da nossa galáxia, revelado em uma foto do ano passado, tem uma massa aproximadamente quatro milhões de vezes a massa do nosso Sol. Já o M87* é mais de mil vezes mais massivo que Sagitário.

Fora isso, com uma região central maior descoberta, os novos dados fornecem uma também maior oportunidade para os pesquisadores entenderem com mais precisão o funcionamento do horizonte de eventos do Pōwehi, ou seja, a sua “borda”.

Isso é importante porque esse é um dos processos mais intrigantes por trás desses fenômenos do espaço. Quando qualquer objeto cruza esse horizonte de eventos, por exemplo, ele não tem mais escapatória. A gravidade é tão intensa nessas regiões que causa um processo conhecido como espaguetificação, dilacerando objetos pelo campo gravitacional do buraco negro num formato que lembra um espaguete, em formas finas e alongadas.

Comparação entre as duas imagens. Na esquerda, foto original de 2019 de M87*. Na direita, a foto reconstruída. — Foto: EHT/PRIMO/INSTITUTE FOR ADVANCED STUDY

“Estamos usando a física para preencher regiões de dados ausentes de uma forma nunca feita usando aprendizado de máquina”, disse Lia.

Além do aperfeiçoamento de outras imagens do EHT e de observações feitas recentemente que não foram ainda publicadas, a cientista agora também espera que a técnica possa ser aplicada em outros campos, mais do que a astronomia, como a medicina.

“A foto de 2019 foi só o começo”, acrescentou. “Se uma imagem vale mais que mil palavras, os dados subjacentes a essa imagem têm muito mais histórias para contar”.

ClickPB