Vereador do Rio de Janeiro há dois anos, David Miranda(PSOL-RJ) é o suplente do deputado federal Jean Wyllys , e se surpreendeu ao saber que deve assumir o mandato do colega de partido na Câmara. Ele não foi comunicado antecipadamente e soube do anúncio da renúncia através da imprensa. O motivo, conforme explicou Jean sobre a desistência, seriam ameaças recebidas nos últimos meses.
Ao GLOBO, David afirma que considera simbólico o fato de que, a partir de fevereiro, poderá ocupar a vaga de um homossexual assumido. Esse também é o caso dele, que é casado com outro homem há 11 anos e pai de duas crianças que foram adotadas pelo casal. A promessa de David é continuar legislando a favor das mesmas causas de Jean, que era forte defensor dos direitos das pessoas LGBT.
— Eu acredito em uma coincidência do destino. Se eles (os opositores de Jean) acham que vão acabar com um LGBT, outro de nós vai assumir. Vou estar lá por todos os nossos companheiros que são tombados. Acho que, de alguma maneira, a saída dele e a minha chegada estão completamente relacionadas por essa semelhança — afirma o político, que tem 35 anos e deverá tomar posse junto dos outros deputados da nova legislatura, em 1º de fevereiro.
David diz que é constantemente vítima de homofobia, assim como Jean apontou frequentemente ao longo de seus dois mandatos no Congresso. Segundo o vereador, o preconceito foi o principal obstáculo que ele enfrentou na Câmara dos Vereadores do Rio desde que foi eleito, em outubro de 2016:
— Lá, não foi diferente do que é nas ruas. Sei exatamente o que o Jean passou entre os deputados, porque passei pelas mesmas coisas no Rio de Janeiro. Mas isso não vai me botar pra trás, porque sou pai e tenho dois moleques que precisam de mim. E há, lá fora, pessoas tristes pela saída do Jean e muitos felizes por terem sido representadas por ele.
Entre as pautas que pretende levar à Câmara, David inclui questões relativas ao uso de nomes sociais de transexuais e à priorização do pagamento de aposentados e pensionistas nas folhas de pagamento dos estados e municípios. Ambos os temas foram levados por ele ao plenário do Palácio Pedro Ernesto, no Centro do Rio, onde trabalham os vereadores da cidade.
Quem ficará com a vaga na Câmara do Rio é Marcos Paulo Costa da Silva, também do PSOL, médico cirurgião e militante pelos direitos dos animais.
Críticas à família Bolsonaro
Antes mesmo de chegar à Brasília, David não poupa críticas ao presidente Jair Bolsonaro e aos filhos Flávio, Eduardo e Carlos (ele trabalhou com o último no Legislativo carioca). Jean era forte opositor da família e, em 2016, chegou a cuspir em Bolsonaro durante a sessão da Câmara em que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi votado.
Apesar de acreditar que o diálogo e a boa convivência com os colegas de legislatura sejam a chave para atender satisfatoriamente as demandas da população, David confessa que compartilha da visão de Jean sobre o presidente e seus filhos:
— Tive uma experiência com o próprio Bolsonaro em que ele foi altamente grosso comigo (David é jornalista e o episódio teria acontecido em uma entrevista). Eu e o Carlos já tivemos alguns choques na Câmara. E eu sei que o Flávio e o Eduardo (que são, respectivamente, senador e deputado federal) são dois fanfarrões. Eles falam o que querem, quando querem e como querem. Eu estou aberto para o diálogo ou para a briga política.
Após o anúncio da renúncia, Jair Bolsonaro utilizou as redes sociais para dizer que hoje é um “grande dia”. David respondeu e pediu para o presidente a “segurar a empolgação” porque eles se verão na capital federal. Ele também pediu respeito a Jean e disse que aprovou mais projetos em dois anos como vereador do que Bolsonaro em 28 anos de mandato como deputado federal.
Para sucessor, Jean não foi covarde
Na contramão dos opositores do PSOL, David afasta o rótulo de covarde atribuído a Jean pela desistência e chama o colega de “grande guerreiro”. O comunicado foi feito enquanto o parlamentar está fora do país, em localidade ainda desconhecida, para se considerar das ameaças que diz ter recebido.
— Jean não é covarde, é um grande guerreiro. Existe um limite para todo mundo e isso precisa ser respeitado. Ele teve um papel importantíssimo como primeiro deputado federal a defender a causa LGBT em nosso país. Um precursor — define o suplente.
Ao comentar as ameaças recebidas por Jean, David lembra a morte da vereadora Marielle Franco, com quem costumava trabalhar na Câmara do Rio. Ela foi morta em março de 2018 em um crime que permanece sem solução.
— Não podemos esquecer que uma das nossas companheiras de fileira de partido foi morta no ano passado. E, nos últimos dias, ficamos sabendo que um dos integrantes da família Bolsonaro (o senador eleito Flávio, o filho mais velho) empregou a mulher e a mãe de um miliciano que pode estar ligado ao caso — resume David, em referência à notícia de que Flávio Bolsonaro, enquanto deputado estadual, empregou em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) familiares de Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do Bope e suspeito apontado pelo Ministério Público do Rio como homem-forte do grupo que teria executado Marielle, o Escritório do Crime .
O Globo