Faltam medicamentos, insumos, equipamentos, estrutura adequada e profissionais contratados e escalados para trabalhar nos principais hospitais públicos da Paraíba. De janeiro a maio deste ano, o Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB) fiscalizou 118 unidades de saúde públicas no Estado e constatou que os problemas se repetem e se agravam com o passar do tempo. Locais onde a população deveria encontrar atendimento médico adequado estão se tornando lugares de risco para doentes, médicos e outros profissionais de saúde. Diante disso, o CRM-PB vem denunciando a grave situação às autoridades competentes (Ministério Público Federal e Estadual, Governo do Estado, principais Prefeituras) e imprensa e elaborou o Dossiê da Saúde Pública Paraibana.
O documento elaborado pelo CRM-PB é resultado das fiscalizações realizadas pelo órgão nestes primeiros cinco meses de 2019. De janeiro a maio, o CRM-PB fiscalizou unidades de saúde estaduais e municipais do Litoral ao Sertão. Dos 118 serviços fiscalizados, 39 são hospitais, 11 são Unidades de Pronto Atendimento (UPA), 1 Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), 1 Centro de Atenção Psicossocial (CAPs), 1 Instituição de Longa Permanência para Idosos (Ilpis) e 29 Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Para o dossiê, o CRM-PB fez um estudo detalhado das 25 maiores unidades de saúde em atendimento e complexidade fiscalizados nos últimos meses, sendo 20 hospitais, 3 UPAs, 1 SAMU e 1 Caps. De acordo com o levantamento, 63,6% dos hospitais e maiores serviços de saúde fiscalizados oferecem risco ao exercício da medicina e à segurança do paciente, por apresentarem graves inconformidades, como a falta de médicos e de recursos materiais básicos. O dossiê apresentado pelo Conselho mostra ainda que 54,5% destas unidades têm número insuficiente de médicos, 59,1% apresentam insumos e medicamentos insuficientes e 36,4% possuem deficiências estruturais graves.
As inconformidades encontradas pelo Departamento de Fiscalização foram divididos em quatro parâmetros: número insuficiente de médicos; insumos e medicamentos insuficientes; deficiências estruturais graves; e risco ao exercício da medicina e à segurança do paciente. O documento revela também que a situação caótica foi observada em diversas categorias fiscalizadas, atingindo clínica geral, cirurgia, pediatria, maternidade e oncologia.
“Infelizmente estamos passando por uma situação difícil, um verdadeiro caos na saúde paraibana. O CRM-PB vem cumprindo o seu papel de fiscalizar e denunciar as precárias condições a que os médicos estão submetidos a trabalhar em determinadas unidades de saúde. Alguns hospitais não garantem o atendimento adequado à população e o Conselho tem que promover a interdição ética dos médicos. Mas não podemos interditar todos os hospitais, a população precisa de medidas eficazes e urgentes por parte do poder público”, destacou o presidente do CRM-PB, Roberto Magliano de Morais.
Interdição Ética do Trabalho Médico
Entre janeiro e maio de 2019, o CRM-PB interditou oito unidades de saúde no Estado: Centro de Saúde de Mandacaru (João Pessoa), Unidade Básica de Saúde III (Condado), Posto de Saúde da Família Oiteiro II (Alhandra), bloco cirúrgico do Ortotrauma de Mangabeira (João Pessoa), Hospital Maria Lídia Gomes (Cubati), UTI Neonatal da maternidade Peregrino Filho (Patos), UPA de Cruz das Armas (João Pessoa) e UPA de Bayeux.
Conforme a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.056/2013, define-se como interdição ética do trabalho do médico a proibição, pelo CRM, de o profissional exercer seu trabalho em estabelecimentos de assistência médica por falta de condições mínimas para a segurança do ato médico. Os requisitos de segurança são: adequação do ambiente físico que permitam o trabalho médico com salubridade, segurança e inviolabilidade do sigilo profissional; equipamentos em condições de funcionamento; insumos em quantidade e qualidade compatíveis com a demanda e complexidade dos procedimentos; infraestrutura, equipamentos, insumos e recursos humanos treinados, qualificados e atualizados.
Violência contra médicos
A precariedade na assistência à saúde nos hospitais públicos tem gerado outro problema grave: a agressão de pacientes e acompanhantes contra os médicos. A demora no atendimento, a falta de medicamentos e problemas na infraestrutura têm feito os pacientes agredirem os profissionais que estão exercendo seu trabalho. Essa violência já foi, inclusive, causa de interdição ética de unidades de saúde pelo CRM-PB, nos últimos meses, como a UPA de Cruz das Armas, a UPA de Bayeux e a UBS Oiteiro, em Alhandra.
De acordo com pesquisa realizada pelo CRM-PB, no ano passado, 73,4% de 395 médicos entrevistados disseram que já sofreram algum tipo de violência no ambiente de trabalho. A violência verbal foi a mais relatada na pesquisa, com 94,6% dos casos, seguida da violência psicológica (54,4%) e da física (7%). “O sucateamento da saúde pública tem gerado essas situações de violência. Revoltados, pacientes e acompanhantes cometem agressões contra os profissionais da saúde, como se eles fossem os responsáveis pelos problemas existentes”, disse o presidente do CRM-PB.
Principais unidades de saúde fiscalizadas
Napoleão Laureano sofre com falta de medicamentos e insumos
No dia 1º de abril, o CRM-PB fiscalizou o Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, referência no tratamento de câncer no Estado. Foi constatada a falta de medicamentos orais e intravenosos para quimioterapia, antibióticos, além de insumos como luvas e soro fisiológico. Além disso, uma das três máquinas da radioterapia está quebrada desde o dia 6 de fevereiro, acumulando cerca de 500 pacientes à espera desse tipo de tratamento no hospital. Médicos que são prestadores de serviços estavam com o pagamento atrasado há seis meses. O CRM-PB fez denúncia ao Ministério Público Federal para que sejam tomadas providências e o hospital não vá à falência.
No dia da fiscalização, faltavam 17 medicamentos orais quimioterápicos, além de seis tipos de antibióticos. Mais de 70 pacientes com câncer de próstata estavam na lista de espera por algum desses medicamentos. Também faltavam os cateteres das bombas de infusão usadas na quimioterapia, o que prejudica o tratamento. No centro cirúrgico, médicos têm que administrar o uso de antibióticos após os procedimentos, pois é comum faltarem esses medicamentos, além de luvas e soro fisiológico. Funcionários da farmácia disseram que há mais de seis meses enfrentam o problema da falta de estoque de remédios.
Hospital do Valentina: falta de médicos e subutilização do centro cirúrgico
O CRM-PB realizou uma inspeção no Hospital do Valentina, em João Pessoa, no dia 13 de março, após a denúncia de que havia uma defasagem de médicos na unidade de saúde. Foi constatado, pela escala médica apresentada, que em alguns dias apenas um ou dois médicos estão no plantão do hospital que atende cerca de 200 crianças por dia na emergência e em torno de 60 no ambulatório. Além disso, o hospital possui três salas cirúrgicas, sendo que apenas duas estão sendo utilizadas e abaixo de sua capacidade.
“O hospital deveria ter pelo menos quatro médicos a cada turno e, em alguns dias, há apenas um profissional”, disse o diretor de fiscalização do CRM-PB, João Alberto Pessoa. O CRM-PB vem tentando intermediar uma reunião com o Ministério Público Federal, os secretários Estadual e Municipal de Saúde, além da diretoria dos hospitais do Valentina, do Arlinda Marques e do Hospital Universitário Lauro Wanderley, que são referências no atendimento pediátrico em João Pessoa. “Frequentemente estamos recebendo denúncias de médicos, pacientes e acompanhantes da falta de estrutura, superlotação, dentre outros problemas nos hospitais infantis da Capital. Precisamos resolver esse problema urgentemente”, completou João Alberto.
Diversas irregularidades na Maternidade Frei Damião
No dia 11 de março, o CRM-PB fiscalizou a Maternidade Frei Damião, localizada no bairro Cruz das Armas, em João Pessoa, e identificou uma série de problemas, como superlotação, falta de conservação predial, higiene precária dos ambientes, falta de roupas de cama e vestuário para pacientes e profissionais, enfermarias sem ventilação e quentes, entre outras irregularidades.
João Alberto Pessoa disse que a Maternidade Frei Damião tem uma situação precária semelhante a outros hospitais públicos municipais e estaduais da Paraíba. “É preciso priorizar a saúde e a resolução destes problemas para garantir um atendimento digno à população e a segurança do ato médico”, destacou. O relatório completo sobre a vistoria será encaminhado à direção do hospital, à Secretaria Estadual de Saúde e ao Ministério Público.
Superlotação no Hospital Infantil Arlinda Marques
Na primeira quinzena de fevereiro, o CRM-PB fiscalizou o Hospital Infantil Arlinda Marques, em João Pessoa, e constatou a denúncia de pacientes e da imprensa de que havia superlotação na unidade. Não havia vagas para a internação de crianças que procuravam o hospital. O Arlinda Marques é referência no atendimento de média e alta complexidade para crianças e adolescentes. Como o hospital municipal do Valentina Figueiredo não estava internando pacientes, mesmo os de baixa complexidade estavam sendo encaminhados para o Arlinda Marques, aumentando ainda mais a grande demanda do hospital.
Trauminha de Mangabeira: infraestrutura comprometida, superlotação e baratas
No dia 12 de fevereiro, a equipe de fiscalização do CRM-PB esteve no Complexo Hospitalar de Mangabeira Tarcísio Burtity – Ortotrauma, conhecido como Trauminha, e interditou eticamente um dos dois blocos cirúrgicos do hospital. As salas de cirurgia estavam com buracos no teto, infiltrações, ferrugem e mofo, causando sérios riscos aos pacientes e ao ato médico. O bloco ficou sem funcionar por mais de 15 dias, até que a Secretaria Municipal de Saúde fez as reformas necessárias e as salas de cirurgia foram desinterditadas no dia 1º de março.
Este não era, no entanto, o único problema do hospital. A unidade possui uma infraestrutura precária, com infiltrações e buracos nas paredes, aém de infestação de baratas na enfermaria, superlotação e demora na realização de cirurgias. Pacientes e acompanhantes relataram à equipe do CRM-PB que, durante o período de internação, precisam levar lençóis, travesseiros, colchões e ventiladores.
Faltam médicos, medicamentos e insumos em Hospital Geral de Taperoá
Em fiscalização realizada no dia 11 de abril no Hospital Geral de Taperoá, o CRM-PB constatou que faltam medicações, insumos, roupa para pacientes e funcionários, além da quantidade escassa de médicos. “O hospital está sendo subutilizado, pois tem uma ótima estrutura, centro cirúrgico com capacidade de realizar cirurgias de média complexidade, higiene adequada. No entanto, não há médicos suficientes e os pacientes estão sendo encaminhados para Campina Grande”, destacou o diretor de fiscalização do CRM-PB, João Alberto Pessoa.
No dia 16 de abril, o secretário executivo de Gestão de Rede e Unidades de Saúde, Geraldo Medeiros, esteve no hospital de Taperoá e informou ao CRM-PB que o hospital passará para a gestão direta do Governo da Paraíba, de forma transitória e excepcional, visando a manutenção do serviço. O hospital era administrado pela Organização Social (OS), Instituto Gerir, assim como a maternidade Peregrino Filho e o Janduhy Carneiro, em Patos.
Interdição em hospital de Cubati
O CRM-PB interditou eticamente os médicos do Hospital Municipal Maria Lídia Gomes, na cidade de Cubati, a 220km de João Pessoa. A equipe de fiscalização esteve no hospital geral da cidade, no dia 11 de abril, e constatou que não havia médicos no local, nem direção técnica. De acordo com o diretor de fiscalização do CRM-PB, João Alberto Pessoa, só havia escala médica para o sábado. “No restante dos dias, o atendimento era feito apenas pela enfermagem”, disse João Alberto.
Patos: maternidade Peregrino Filho e hospital Janduhy Carneiro sofrem com falta de recursos
Desde o mês de fevereiro o CRM-PB vem recebendo denúncias de falta de medicamentos, insumos e exames na maternidade Peregrino Filho, em Patos, que vinha colocando em risco o atendimento aos pacientes. Fornecedores do hospital deixaram de atender as demandas por falta de pagamento. Médicos e outros profissionais de saúde também não estavam recebendo seus salários regularmente. Em março a diretoria do CRM-PB esteve na cidade para checar a situação e intermediar uma solução com a Secretaria Estadual de Saúde. O CRM-PB comunica a situação caótica ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público de Contas.
Em reunião no Tribunal de Contas da União, Governo do Estado e Ministério Público acordam assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que houvesse uma gestão emergencial do hospital, até que fosse feito um novo chamamento para seleção de Organizações Sociais. Tanto a maternidade Peregrino Filho, quanto o Hospital Janduhy Carneiro e o hospital de Taperoá são estaduais, mas administrados pela OS Instituto Gerir. A SES se compromete em fazer um remanejamento de medicamentos e insumos de outros hospitais do Estado para abastecer emergencialmente a maternidade.
No entanto, no dia 12 de abril, a equipe do CRM-PB retorna a Patos e constata que a UTI Neonatal da maternidade Peregrino Filho não tem mais condições de internar crianças, pela falta de medicamentos e insumos. A maternidade é interditada eticamente. Permanece interditada até o dia 18 de abril, quando a SES abastece a maternidade novamente. Nesta mesma visita a Patos do dia 12 de abril, o CRM-PB também fiscaliza o Hospital Regional Deputado Janduhy Carneiro e constata problemas gravíssimos e sua estrutura física, além da falta de medicamentos e laboratório precário, UTI com falta de equipamentos e superlotação.
“O hospital apresenta um clima de guerra em vários setores. No Centro Cirúrgico há péssimas condições, como um esgoto que se abre a cada sete dias para limpeza, infiltrações nas paredes, ar condicionado com vazamento e baldes para conter a água, piso de concreto. São muitos problemas a serem resolvidos”, disse o diretor de Fiscalização do CRM-PB, João Alberto Pessoa.
Hospital da Criança e Adolescente de Campina Grande
O CRM-PB fiscalizou o Hospital da Criança e do Adolescente de Campina Grande, no dia 27 de maio, a pedido do Ministério Público Estadual e após receber denúncias de pacientes e profissionais da saúde. De acordo com o relatório do Departamento de Fiscalização, faltam médicos, medicamentos e insumos no hospital. Também foram constatadas a superlotação, manutenção predial precária, escassez de roupas e lençóis hospitalares e não equiparação salarial dos médicos.
No dia 30 de maio, a Secretaria de Saúde de Campina Grande firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público da Paraíba e o Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB) em que se compromete em adquirir os medicamentos e as roupas hospitalares que faltam no Hospital da Criança e do Adolescente de Campina Grande, além de garantir a isonomia salarial entre os médicos da unidade hospitalar.
UPA de Bayeux
O CRM-PB interditou eticamente a UPA de Bayeux, após vistoria realizada no dia 14 de maio, após denúncia de agressão contra uma médica da unidade. Durante a fiscalização, foi constada que além da falta de segurança, a UPA apresentava diversas inconformidades, como: falta de diretor técnico, de laboratório, de sala de esterilização, de lavanderia, de raio X, oxímetro, equipamentos para monitorar pacientes graves, roupa de cama, além de um estoque reduzido de medicamentos e escala médica incompleta. Na ala vermelha, onde ficam os pacientes mais graves, havia cinco leitos ocupados e apenas um equipamento de monitoramento cardíaco.
No dia 30 de maio, o prefeito de Bayeux Berg Lima e a secretária municipal de Saúde, Lenira Gabriela Azevedo, estiveram na sede do CRM-PB, apresentando documentos que mostravam que os equipamentos que faltavam na fiscalização já haviam sido adquiridos. No dia 31 de maio, a equipe de fiscalização do CRM-PB esteve novamente na UPA e constatou que as principais inconformidades haviam sido resolvidas. A UPA foi desinterditada.
UPA de Cruz das Armas
No dia 13 de maio, o CRM-PB fiscalizou a UPA de Cruz das Armas, em João Pessoa, e a interditou eticamente por falta de segurança no local. Os médicos, assim como outros profissionais da saúde da unidade, relataram que sofriam agressões verbais e físicas. Também foi constatado que a unidade não possuía escala médica completa e, por muitas vezes, os médicos atendiam até 100 pacientes em um mesmo dia.
Um dia após a interdição, a Secretaria Municipal de Saúde providenciou a Guarda Municipal para garantir a segurança dos profissionais da unidade e a UPA foi desinterditada. No dia 22 de maio, a direção da UPA apresentou a escala médica completa.
Números do Dossiê
– Período das fiscalizações: janeiro a maio de 2019
– Quantidade de unidades de saúde fiscalizadas: 118
* Hospitais:
* Unidades de Pronto Atendimento (UPA):
* Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU):
* Unidades Básicas de Saúde:
Assessoria