Após alcançarem ampla cobertura vacinal, países europeus passam a flexibilizar as medidas de restrição contra a Covid-19. Com a diminuição da letalidade da doença, nações como Dinamarca, França e Reino Unido começam a tratar o vírus como endêmico – já que, para muitos especialistas, o Sars-CoV-2 não será eliminado.
O que é uma endemia?
Julio Croda, médico infectologista e pesquisador da Fiocruz, explica que uma doença é considerada endêmica quando ela é comum em certas regiões, tem um número de mortes esperado e apresenta períodos de surto. Em situações assim, é possível prever o impacto do vírus e entender seu comportamento em relação à saúde dos indivíduos.
Quadros de endemia já ocorrem com outros vírus que causam doenças respiratórias, como é o caso da influenza. “Nessa situação, há uma previsão sobre o número de casos e de óbitos. É possível estar preparado para os momentos de surto”, diz o especialista.
Durante o Fórum Econômico Mundial, realizado em janeiro deste ano, líderes globais e especialistas discutiram o futuro da pandemia de Covid-19. O diretor executivo do Programa de Emergências em Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mike Ryan, admitiu que o fim do coronavírus é improvável, e o próximo cenário esperado consiste no quadro de endemia.
O fato de ser uma endemia não é algo bom ou ruim, apenas uma constatação de que a doença não será erradicada tão cedo. “O que precisamos fazer é chegar a níveis baixos de incidência da doença, com vacinação máxima de nossas populações, para que ninguém tenha que morrer. É o fim da emergência, é o fim da pandemia”, afirmou o representante da OMS.
O que muda nos países europeus?
Em 19 de janeiro, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, afirmou que o caminho a ser seguido pelo país seria o de abolir as restrições, e deixar as medidas de proteção a critério das pessoas. “À medida que a Covid se torna endêmica, precisaremos substituir os requisitos legais por conselhos e orientações, instando as pessoas com o vírus a serem cuidadosas e atenciosas com as outras”, disse, dando o tom da abertura.
No último ano, o Reino Unido passou por várias mudanças nas medidas de restrição. Na última sexta-feira (11/2), pessoas vacinadas foram dispensadas de apresentar o teste negativo de Covid-19 para entrar na Inglaterra. Em 27 de janeiro, o uso de máscaras e a apresentação de comprovante vacinal em lugares de reunião de pessoas deixaram de ser obrigatórios.
A situação também mudou na França. Desde a última quarta-feira (16/2), o consumo em pé voltou a ser autorizado e as casas noturnas começaram a ser abertas. A partir de 28 de fevereiro, o uso de máscara deixará de ser obrigatório em locais fechados que exigirem vacinação. É permitido permanecer sem o acessório de proteção em espaços ao ar livre desde o início do mês.
A Dinamarca aboliu medidas de proteção no início de fevereiro. Uso de máscaras, comprovante de vacinação e necessidade de testes negativos deixaram de ser obrigatórios. Casas de festas e shows também voltaram a funcionar normalmente. Além disso, não há mais limitação de público em grandes eventos.
“Em cada país é necessário fazer uma avaliação de risco, baseando-se nos indicadores epidemiológicos. Neste momento, números associados a hospitalização e óbitos são os grandes marcadores. Na onda de Ômicron, houve recordes de casos em todos esses países, mas não ocorreu um aumento expressivo de hospitalizações e óbitos”, explica Croda.
O pesquisador da Fiocruz diz que as principais mudanças necessárias para que o estágio de endemia seja atingido são a capacidade de prever o comportamento do vírus – com o monitoramento de novos casos – e a aplicação de vacinas.
Como eles conseguiram?
De acordo com Croda, este é um bom momento de flexibilização para os países que já passaram pela onda de Ômicron e apresentam elevadas coberturas vacinais.
O pesquisador Vitor Mori, membro do Observatório COVID-19BR, ressalta que esses países, principalmente a Dinamarca, têm um sistema de testagem e de vigilância genômica muito robusto.
“Eles conseguem acompanhar com muita proximidade o desenvolvimento de casos. Também monitoraram de forma eficiente o surgimento de novas variantes”, afirma.
Segundo Mori, que trabalha na Universidade de Vermont, nos EUA, o fato de o vírus começar a ser tratado como endêmico não é, necessariamente, um cenário para a aparição de novas cepas. “As novas variantes são mais perigosas em países com menor cobertura vacinal e com ampla circulação de indivíduos”, destaca.
Quais os riscos?
Tratar a Covid como uma endemia, diminuindo as restrições à população, é uma questão de custo-benefício para países europeus onde a vacinação é ampla. Vitor Mori comenta que as decisões foram tomadas dentro do contexto epidemiológico de cada nação, com ferramentas de monitoramento e aconselhamento feitas por profissionais preparados.
“A questão é avaliar se estamos preparados para conter uma possível disseminação do vírus. A Dinamarca, por exemplo, possui mais ferramentas para lidar com possíveis surtos. Seja com vacinação, doses de reforço, testagem, respeito ao uso de máscara e surgimento de medicamentos antivirais”, pontua o pesquisador.
Ainda conforme assinala o especialista, o principal perigo é surgir um novo cenário e o governo não ter força política para impor medidas restritivas de forma rápida. “Com o surgimento de uma nova variante mais transmissível, talvez seja mais difícil para os países que estejam desprevenidos fazer com que a população aceite medidas restritivas. Quando o cenário muda muito rapidamente, há uma inércia grande”, avalia.
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