Para muita gente, o rastro branco deixado por aviões que rasgam os céus é algo natural ou desimportante. Mas para outros, inspira teorias conspiratórias — tanto que os EUA chegaram a emitir um relatório para acalmar a população.
Mas, afinal, o que são os rastros deixado nos céus e por que muita gente desconfia deles? Entenda:
O que são as ‘fumacinhas dos aviões’?
Cientificamente falando, trata-se de ‘trilhas de condensação’, ou ‘contrails’, em inglês – condensed trail, explica José Eduardo Mautone Barros, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
“São sempre causadas por aviões que utilizam combustão”, diz Mario Festa, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (Universidade de São Paulo).
Em português mais simples: o vapor d’água emitido pela combustão do motor do avião, em contato com o ar frio, se torna líquido e até sólido – e tudo isso em uma velocidade muito rápida, formando as vistosas nuvenzinhas.
Isso porque na faixa onde os aviões circulam, de aproximadamente 3 a 12 quilômetros de altitude, a temperatura varia de -30°C a -50°C.
“O rastro branco é formado apenas por cristais de gelo. Já a fumaça contém partículas sólidas que tendem a fornecer uma cor mais escura para a nossa visão. A tendência é as fumaças serem muito semelhantes uma com a outra, independente do local onde são produzidas”, explica Festa.
Por que às vezes vemos as tais trilhas e às vezes não?
Fatores ambientais, em especial a umidade e a temperatura, impactam o rastro, dizem os especialistas.
“Uma atmosfera mais seca, como a de uma região desértica, propicia trilhas mais curtas, porque só a água resultante da combustão vai condensar”, exemplifica Mautone. Já em um ambiente mais úmido, a água do ar também será condensada, alongando o rastro.
“São mais facilmente visíveis nas rotas dos aviões que trafegam em grandes alturas, mas, na época do inverno, se houver temperatura abaixo de zero numa região de aeroportos, é possível ver as trilhas em alturas bem menores”, diz Festa.
Trilhas deixadas pelos aviões fazem mal?
O professor Festa é categórico: “São totalmente inofensivas tanto para os humanos, como para a fauna e a flora.” Mautone ecoa: “Não fazem mal, porque a princípio trata-se só de água mesmo”.
O professor da UFMG ressalva, contudo, que há um efeito meteorológico local, de efeito limitado: “Com a condensação, os rastros aumentam o índice de nuvem. Mais nuvem significa menos luminosidade. Mas, ao mesmo tempo, com menos sol, há menos evaporação e, portanto, menos chuva, então os fatores se compensam”, aprofunda.
Ele também cita o efeito da emissão de gases estufa por parte dos aviões, mas lembra que a taxa é minúscula perto de outros agentes, como carros ou indústria.
Quais são as teorias da conspiração ao redor dos rastros aéreos?
Festa lembra que a ideia dos chemtrails ganhou força a partir do Projeto HAARP (do inglês Programa de Investigação de Aurora Ativa de Alta Frequência), iniciado em 1993 no Alasca, Estados Unidos. O objetivo é entender como ondas de rádio são transmitidas na faixa da ionosfera, camada da atmosfera que começa aproximadamente 60 quilômetros acima da superfície terrestre.
“Montaram uma enorme estação produtora de ondas altamente energizadas, no intuito de estudar as Auroras Polares. Elas ocorrem acima dos 100 quilômetros de altura, e a ideia do projeto é bombardear a baixa Ionosfera e estudar os resultados”, diz. A energia de alta potência gera uma fonte de calor na Ionosfera, e os resultados podem ser inesperados.
“Em vários locais foram observados enormes buracos ou lacunas em camadas de nuvens, que teriam sido causadas pela dissipação de parte da nuvem que teria recebido aquela energia”, lembra.
Registros fotográficos desses fenômenos, acusações por parte da Rússia e paranoia popular ligaram o assunto às trilhas de condensação, gerando um campo fértil para ideias conspiratórias.
“Há interpretações mais dramáticas de que esses experimentos seriam utilizados para alterar o clima”, diz.
Mautone descarta qualquer possibilidade de as contrails terem esses efeitos imaginados.
“O único procedimento que aviões são capazes de realizar é fazer chover, no processo chamado cloud seeding [semeadura de nuvens]. Ainda assim é necessário ter nuvem no céu”, diz.
Ele explica que já há procedimentos avançados para alterar a meteorologia local, como o lançamento de foguetes que saturam nuvens para diminuir a incidência de granizo na chuva. Mas ainda não atingimos a tecnologia necessária para mudanças climáticas significativas e intencionais em uma região:
“Fala-se, por exemplo, na ideia de um instalar um espelho no espaço para refletir luz solar em determinada região, mas isso ainda é teoria”, diz.
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