Sexta Turma do STJ autoriza três pessoas a cultivarem maconha para fins medicinais

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu dois salvo-condutos para o cultivo de maconha com fim medicinal. Com isso, três pessoas que apresentaram recursos à Corte poderão manter o plantio sem risco de sofrer reprimendas do Estado. A decisão, proferida por unanimidade, tem efeito imediato apenas para esses casos específicos, mas, como partiu de um tribunal superior, serve de precedente para outras cortes e juízes do país.

O relator de um dos processos, o ministro Rogério Schietti, afirmou que o Estado brasileiro se omite diante do tema. Atualmente, já é possível o uso medicinal da maconha, mas é preciso importar o produto. Não há regulamentação do cultivo. A importação, por sua vez, é mais cara, o que restringe o acesso ao tratamento.

Nessa ação, há duas pessoas, uma tia e um sobrinho, que são beneficiadas pela decisão. Assim, elas não correrão mais o risco de sofrerem repressão ou de serem investigadas pela polícia e pelo Ministério Público.

— Hoje ainda temos uma negativa do Estado brasileiro, quer pela Anvisa, quer pelo Ministério da Saúde, em regulamentar essa questão. Nos autos transcrevemos decisões dos órgãos mencionados, Anvisa e Ministério da Saúde. A Anvisa transferindo ao Ministério da Saúde essa responsabilidade, o Ministério da Saúde eximindo-se, dizendo que é da Anvisa. E assim milhares de famílias brasileiras ficam à mercê da omissão, inércia e desprezo estatal por algo que, repito, implica a saúde e bem-estar de muitos brasileiros, a maioria incapacitados de custear a importação dessa medicação — disse o ministro Schietti.

Ele também disse ser preciso afastar preconceitos e criticou discursos moralistas muitas vezes baseados em dogmas religiosos:

— O discurso contrário a essa possibilidade é um discurso moralista, que muitas vezes tem cunho religioso, baseado em dogmas, baseado em falsas verdades, baseado em estigmas, de que tudo que é derivado de uma planta maldita pela comunidade… Porque quando se fala maconha, parece que tudo que há de pior advém dessa palavra, quando é uma planta medicinal como qualquer outra. Se possui alguns malefícios, produz muitos benefícios. Paremos com preconceito, com esse moralismo que atrasa o desenvolvimento do tema no âmbito do Poder Legislativo e muitas obnubila o pensamento de juízes brasileiros.

O ministro Sebastião Reis, relator da outra ação, que beneficia uma pessoa, foi na mesma linha:

— Como o ministro Rogério falou, simplesmente tachar de maldita uma planta porque há preconceito contra ela, sem um cuidado maior em se verificar os benefícios que seu uso pode trazer, é de uma irresponsabilidade total.

O STJ tem seis turmas, compostas de cinco ministros cada. Duas delas, a Quinta e a Sexta, cuidam de assuntos criminais. Na Quinta Turma, nunca houve uma decisão semelhante liberando o cultivo para fim medicinal.

O próprio Ministério Público Federal (MPF), que era contra o salvo conduto, mudou de posição. Quem falou pelo órgão no julgamento foi o subprocurador-geral da República José Elaeres Marques.

— Não obstante a possibilidade de importar e conseguir o produto via associações, o preço ainda se revela fator determinante e impeditivo para a continuidade do tratamento em vários casos. Em razão disso, diversas famílias, em busca de uma alternativa viável, têm trilhado o caminho do Judiciário, postulando por meio de habeas corpus salvo conduto para cultivar e extrair em casa o extrato medicinal de cannabis sem o risco de serem presas e frequentando também cursos de cultivo e oficinas de extração promovidos pelas associações — disse o subprocurador-geral.

O ministro Schietti elogiou a postura:

— Eu cumprimento o Ministério Público Federal pelo amadurecimento da posição institucional e pessoal aqui muito honestamente declarada. Certamente a partir de informações que os autos trazem de uma realidade para a qual não podemos mais nos cegar.

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